04 fevereiro 2007

SEM CONDIÇÕES PARA VENCER BARREIRAS

REVISTA"PROTESTE"

FEVEREIRO 2007
Nº 277


Tudo por fazer nos transportes,edifícios e trabalho.

Quando a sociedade lhes fecha as portas,algumas pessoas com deficiência não perdemos objectivos.

Até quando Governo, câmaras e empresas vãopermitir que esta seja uma luta solitária?

O que têm em comum Leila Marques e JoãoMartins? Leila têm problemas num braço e João sofre de paralisia cerebral. Mas oque lhes condiciona os movimentos e a vida não os impediu de subirem ao pódio no último Campeonato de Natação Adaptada,em Durban (África do Sul), em Dezembro passado, para envergar as medalhas de prata e de bronze. Ao todo, a selecção portuguesa fechou a competição com sete medalhas. Seria o nosso país tão bem representado,se essas pessoas, mesmo com a mobilidade afectada, não se esforçassem por encontrar uma via aberta, entre as muitas pistas de obstáculos existentes, para ter no desporto mais do que uma actividade de reabilitação?Mesmo sem medalhas, esse tem sido o triunfo de Renato Pereira, de 26 anos, e Ruben Portinha, de 19 anos. Incapacidades à parte, ambos são estudantes universitários e atletas que se esforçam todos os dias porter um padrão de vida semelhante ao de qualquer jovem da sua idade. Renato pratica basquetebol há 6 anos e será, dentro de 3 anos, terapeuta da fala. Aos 14 anos, o atropelamento por um comboio numa passagem de nível ditou-lhe a dependência de uma cadeira de rodas para se deslocar.Já Ruben, é nas pistas de atletismo que se"desliga" de um ritmo intenso, repartido entre a faculdade e um programa de rádio on-line. Um glaucoma congénito fechou-lhe a janela visual para o mundo, mas encontrou no som um aliado para fazer passar a sua palavra.São mais de 630 mil (dados do InstitutoNacional de Estatística, Censos 2001) os portugueses com algum tipo de deficiência obrigados a ultrapassar as suas limitações e aquelas com que "esbarram" no dia-a dia,para ter alguma qualidade de vida.Muitos resignam-se quanto à falta de acesso às infra-estruturas sociais. Outros conformam-se menos, sobretudo para quem a invalidez é uma situação nova, vivida a certa altura. São estes milhões de portugueses que nunca terão de sentir tantas dificuldades, se se criarem condições para os milhares que as enfrentam todos os dias.

Barreiras de cada dia

As mentalidades mudam e são inegáveis os progressos na integração social de deficientes físicos e sensoriais. Contudo, o nosso inquérito dá o sinal de alarme: as boas intenções, sem passar à prática, nada trazem de novo. Em Portugal, há ainda muitos pontos por resolver, ao nível dos transportese no acesso aos edifícios públicos.O dia de uma pessoa com deficiência é semelhante ao de qualquer outra, com o peso das dificuldades que tem de contornar.A principal "prova de esforço" para a maioria dos inquiridos (71%) é viajar nos transportes públicos. Conduzir um carro privado é a única alternativa para as deslocações de 68% dos inquiridos. Porque o eléctrico,o comboio, o metro e o autocarro oferecem entraves, mais de metade diz que nunca utilizou nenhum desses meios. Se tivessem de viajar nalgum deles, para mais de metade dos inquiridos, as grandes dificuldades estariam em permanecer de pé no veículo e os maus acessos de e para as estações.Residente na zona de Sintra, Ruben Portinha utiliza os transportes públicos para chegar à faculdade, em Lisboa, e sente na pele os entraves. Até à estação de comboio da linha de Sintra tem de apanhar um autocarro.Para saber qual o seu, não falha o horário ou socorre-se das pessoas presentes na paragem. O mesmo acontece no comboio. A alternativa: contar as paragens e, porque possui algum resíduo visual, reconhece alguns elementos físicos.O nosso inquérito mostra que, em casa,também há obstáculos. Em 30% das respostas que obtivemos, ficámos a saber que existem pessoas sem equipamentos especiais como rampas de acesso e elevadores ou plataformas elevatórias, embora precisem deles. O custo elevado é mesmo a principal razão para não os terem.A tecnologia pode ser uma pequena ajuda para quem está dependente dos outros para as tarefas diárias. No último teste a máquinas de lavar roupa (PRO TESTEn.º 276, de Janeiro), verificámos que a facilidade de utilização para consumidores com problemas de mobilidade não é uma preocupação dos fabricantes.Textos claros, símbolos tácteis e portas queabrem a 180° permitiriam a essas pessoas ter menos um impossível em casa: 58% dos inquiridos afirmam precisar de assistência nas lides domésticas. Preparar as refeições e fazer pequenas compras são outras das tarefas com as quais 49% e 56%, respectivamente,dos inquiridos portugueses, não conseguem lidar sozinhos.Uma ajuda profissional resolveria algumas dificuldades de quase metade. Mas,entre aqueles que não a têm, muitos desconheciam um serviço dessa natureza.O custo elevado é também um impedimento para um quarto dos inquiridos. Em comparação com os outros países, a avaliar pelas respostas de quem pagou para receber ajuda profissional, a média de custos rondaos € 950, mais baixos do que na Itália(€ 2000) e na Bélgica (1200 euros).Entre aqueles que a têm ou já a tiveram,48% considera que o principal obstáculo em aceder a assistência especializada estáno tempo de espera.

Poucas oportunidades profissionais

A maioria dos inquiridos é composta por reformados (52%). Destes, mais de metade tem menos de 60 anos, sinal de que, por vezes, estas pessoas são obrigadas a encurtar a carreira, pela sua condição ou por falta de oportunidades. A experiência dos profissionalmente activos (37%) ilustra bem as dificuldades que enfrentam para dar vida a uma vocação ou habilidade.Ao contratar pessoas com deficiência, as empresas esquecem-se das adaptações necessárias e só olham aos subsídios que o Estado lhes concede. Condições para entrar no edifício, trabalhar menos horas ou dias por semana, casas-de-banho e local de trabalho adaptados são as principais necessidades por preencher.Face às respostas que obtivemos, a maioria acaba por adaptar-se ao que já existe.A satisfação profissional é um dado secundário:metade dos inquiridos diz ter, no seu emprego actual, poucas ou nenhumas oportunidades para aplicar a sua formação.Mais: 78% acha que dificilmente conseguirá mudar para um emprego melhor.Até porque a experiência anterior de muitos não lhes deixa grande margem de manobra:mais de um terço dos inquiridos activos ou à procura de emprego, com menos de 60 anos, considera ter perdido um emprego,devido à sua condição.

Vida dentro de quatro paredes

Não é só no emprego que as diferenças se notam. A vários níveis, a cidade está fechada para quem vive uma situação de incapacidade temporária ou permanente.Mesmo para as pessoas que utilizam o transporte privado nas deslocações, as barreiras não desaparecem: lugares reservados indevidamente ocupados e dificuldade em estacionar perto dos locais onde vai são algumas das situações com que se confrontam frequentemente os inquiridos.Também as actividades ao ar livre parecemser um luxo para quem o movimento tem limites.Visitar museus e bibliotecas, praticar exercício físico ou desporto, ir ao cinema,ao teatro ou assistir a um jogo de futebol são ocupações impossíveis para muitos incapacitados.Entre os hobbies domésticos, o acesso à Internet ainda não é um hábito, pois 49% dos inquiridos nunca navegou na rede em sua casa. É conhecida a reduzida taxa de introdução da rede nos lares portugueses.E muitos sítios na Net ainda não têm descrições áudio, comando verbal, interpretação gestual ou legendas, para facilitar a sua utilização.Apesar de a lei o exigir, as respostas obtidas comprovam que muitos serviços públicos, centros de saúde e escolas, por exemplo, não têm rampas, elevadores ou casas- de-banho adaptadas. Mais de metade dos inquiridos tem alguma dificuldade em usar uma instalação desportiva, como uma piscina,ir a um local de convívio, ao hospital e aos correios. Levantar dinheiro no multibanco ou ir ao banco e ter uma consulta no centro de saúde são também tarefas árduas para quase metade dos inquiridos.

ENTRAVES ORÇAMENTAIS

Existem alguns apoios de que as pessoas com deficiência podem beneficiar, como os benefícios fiscais.Neste aspecto, o Orçamento de Estado para 2007 veio limitar os direitos dos contribuintes com deficiência(com incapacidade permanente igual ou superior a 60%, para o fi sco). Até agora, um deficiente com um grau de invalidez entre 60% e 79% estava isento de imposto sobre metade dos rendimentos de trabalho por conta de outrem, até 13 774,86 euros. A isenção seria maior, caso a invalidez ultrapassasse os 80 por cento. Este ano, cada sujeito passivo pode deduzir três vezes o salário mínimo nacional (€ 1209) e o equivalente a um salário mínimo (€ 403) por cada dependente com deficiência. E quem já pagava IRS vai passar a pagar mais. Para tentar diminuir os efeitos negativos sobre estes contribuintes, o Estado estabeleceu um período de transição. Ou seja, em 2007, para efeitos de tributação, o fisco considera apenas 80% dos seus rendimentos e, no ano seguinte, 90 por cento.Os resultados do nosso inquérito mostram que o orçamento é um fardo adicional para quem vive com uma incapacidade. Entre os inquiridos que queriam visitar algum profissional de saúde e não o fizeram, cerca de 60% referiu o custo elevado como o motivo para não ir a consultas de especialidade e não fazer fisioterapia.Mais de metade dos inquiridos portugueses conduz um carro privado. Para comprá-lo, 30% teve direito a benefícios fiscais ou foi reembolsado. Por sua vez, na compra do carro em que se desloca como passageiro, 52% sublinha que não usufruiu de qualquer apoio.A falta de ajudas financeiras é também assinalada por mais de metade das pessoas que dizem ter feito modificações no carro devido à sua condição.

CONSUMIDORES EXIGEM

Aceder aos edifícios ou habitações, viajar nos transportes públicos, deslocar-se na via pública e utilizar os caixas multibanco são verdadeiras provas de esforço no dia-a-dia das pessoas com deficiências físicas permanentes (como os invisuais e deficientes motores), mas também de pessoas temporariamente numa situação idêntica. Em 2003, quando fizemos uma inspecção a 42 edifícios das principais juntas de freguesia e câmaras municipais de Lisboa e Porto, demos conta de uma lista de impossíveis para os deficientes. Na altura, faltava um ano para terminar o prazo imposto pela lei, em 1997, para as mudanças necessáriasnos edifícios públicos.Quatro anos depois, a opinião de quem vive limitado é clara: a fiscalização não é eficaz e há muito por fazer. A começar por um levantamento do que até agora mudou ao nível de equipamentos que facilitem os acessos. O "Plano de Acção para a Integração das Pessoas com Deficiências ou Incapacidades", publicado pelo Governo em Setembro passado, prometia, até 2009, melhorar os acessos nos transportes públicos e promover a integração de deficientes no mundo do trabalho.No Verão passado, foi aprovada uma lei contra a discriminação de pessoas com deficiência, que vem dar resposta a muitas injustiças sociais, tanto na acessibilidade a locais públicos, como nas barreiras ao crédito à habitação, devido à exigência de contratação do seguro de vida (geralmente recusado a estas pessoas, por parte das seguradoras).No momento em que escrevemos estas linhas, esta lei ainda não foi publicada em Diário da República. Demos conhecimento dos resultados deste inquérito à Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação e também ao Secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor. Esperamos assim que o Governo não esqueça os seus compromissos e oiça a voz dos nossos inquiridos e de quase um milhão de portugueses.

1 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

boa tarde,
foi com grande apreço que li um pouco do seu blog, durante uma pesquisa que realizei. sou estudante, e encontro-me neste momento a realizar um trabalho sobre invisuais. gostaria de lhe fazer algumas perguntas, pedindo-lhe desde já que me desse o máximo de informaçoes possiveis.
1) por que situaçoes menos desagradáveis já passou?
2) actualmente, encontra-se a exercer vida profissional? se sim, o que faz?
3) em caso negativo na resposta anterior, como passa os seus dias? e o que faz nos seus tempos livres?
4) acha que muitas pessoas fingem ser cegas para conseguir "esmolas"?
5) que situaçoes/limitaçoes enfrenta diariamente?
6) desde quando enfrenta esta situaçao?
7) acha que as pessoas sao desconfiadas em relaçao aos invisuais?
8) o que pensa que as pessoas sentem e/ou pensam quando falam consigo?
9) encontra-se ligado, ou pertence, a alguma instituiçao/organizaçao comunitária?
10) se sim, acha que ela tem feito o melhor por si?
11) encontra-se/sente-se integrado na sociedade?
12) gostava de deixar algum apelo? 13) o que acha que deve ser melhorado ou reformulado neste país para ajudar os invisuais?

gostava que me pudesse responder a estas perguntas, indicando-me a sua idade, pois terei de fazer um tratamento estatistico a estas respostas. envie-me por favor, as suas respostas para o meu e-mail: justninadream@gmail.com.
já agora, acha que me conseguiria passar estas perguntas a mais alguém? por acaso conhece algum fórum de discussao onde pudesse ter contacto com mais pessoas? este trabalho é urgente e quero recolher o máximo de informaçoes possiveis...se por acaso me puder ajudar, agradeço-lhe que todas as respostas sejam enviadas para o meu e-mail, referindo a idade e o sexo do inquirido. muito, muito obrigado,
dalila silva

21 maio, 2007 12:24  

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