02 abril 2006

MAIORIA DOS SITES PÚBLICOS IGNORA NECESSIDADES ESPECIAIS

JORNAL DE NOTÍCIAS

SOCIEDADE

26/3/2006

Maioria dos sites públicos ignora necessidades especiais

Sandra Alves

Maioria dos sites públicos ignora necessidades especiais

Apenas 15 por cento dos organismos directos e indirectos do Estado cumprem requisitos mínimos de acessibilidade
Associações dizem que "há a percepção de que as coisas estão mal" mas osector privado é mais sensível a esta questão
A maioria dos sites de organismos e instituições do Estado não sãoacessíveis a cidadão com necessidades especiais. "O panorama não é muitofamoso", reconhece Jorge Fernandes, do Programa Acesso da UMIC - Agênciapara a Sociedade do Conhecimento, salientando, no entanto, que "não estaremos muito longe do que se passa na Europa, em que 15 por cento dossites da administração pública cumprem os requisitos mínimos" deacessibilidade.Em Dezembro, o Programa Acesso, que actua no âmbito Programa Nacional para a Participação dos Cidadãos com Necessidades Especiais na Sociedade da Informação, começou a utilizar um algoritmo de análise, chamado eXaminator,que avalia 60 critérios definidos a nível internacional e revela o índice deacessibilidade (Web@x) dos sites "numa escala de zero a dez valores". Oobjectivo é "identificar boas práticas e menos boas práticas", explica Jorge Fernandes.

Barreiras à navegação

Segundo o processo sistemático e contínuo de avaliação (Benchmarking) da Acessibilidade Web da Administração Pública (disponível no site do ProgramaAcesso), os sites dos ministérios da Educação, da Saúde, da Agricultura e daAdministração Interna são autênticas barreiras aos cidadãos com necessidades especiais, com 0,1 valores. "Ao entrar é como se houvesse um muro. É como estar perante uma página em branco", exemplifica Jorge Fernandes.Também a Direcção-Geral da Saúde (DGS) apresenta um índice Web@ax de 0,1valores. E a página recentemente criada para o Centro Nacional de Emergênciada Gripe Aviária tem 0,2.Outros exemplos são os casos da Secretaria de Estado das Comunidades (0,2),do Instituto Camões (3,1) ou da Comissão Nacional de Eleições (3,3).A Assembleia da República tem 3,5 de classificação e o Governo consegue 5valores. Na "era" Sampaio o site da Presidência recolhia apenas 2,0 valores mas, desde a posse de Cavaco Silva, disparou para os 8,6 e entrou directamente para o terceiro lugar do "top" dos sítios com melhores índicesde acessibilidade, depois do Programa Acesso da UMIC (9,7 valores) e doPlano Tecnológico (9,5)."Digamos que, com menos de 5 valores, o aluno 'chumbaria'",, esclarece JorgeFernandes, acrescentando ao JN que "já foram analisadas mais de oito milpáginas com um grande grau de confiança".Inacessibilidade, porquê?Em 1999, a resolução 97 do Conselho de Ministros determinou que os organismos públicos devem assegurar que nos seus sites "a leitura possa ser feita sem recurso à visão (...) ou dispositivos apontadores, designadamente ratos" e "a obtenção de informação e respectiva pesquisa possam ser feitas através de interfaces auditivos, visuais e tácteis". Considerações de carácter imediato para os sites a criar após a entrada em vigor do diploma.Passados sete anos, verifica-se que ainda há muito a fazer.Jorge Fernandes diz que o facto de não haver "mais páginas acessíveis" está relacionado com "a forma como as pessoas aprenderam a construí-las". "Está enraizado e há ferramentas que induzem a cometer alguns erros", justifica o membro da equipa do Programa Acesso, cujo site disponibiliza o eXaminator,que permite a análise de qualquer página web, e o espaço Hera, que explicaaos profissionais os erros cometidos.

Privados estão mais sensíveis

Legendar imagens, sons e gráficos; contextualizar as ligações de hipertexto;evitar o uso de tabelas na construção das páginas; permitir a navegação através do teclado sem recurso ao rato são algumas formas de garantir acessibilidade.A Associação Portuguesa de Deficientes (APD) recorda uma avaliação de 2003(da autoria da Accenture), que incluiu uma auto-avaliação dos organismos do Estado sobre as respectivas páginas de Internet. "33,92% reconheceu que aacessibilidade era insuficiente e 21,05% disse que era regular", ou seja,"há a percepção de que as coisas estão mal", salienta Humberto Santos,presidente da APD.Paulo Caldeira, da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (Acapo),considera que esta "é mais uma prova de que as entidades públicas não estão sensibilizadas" para esta problemática e defende que "há muito a fazer".Neste sentido, a Acapo iniciou uma "acção de sensibilização junto de empresas do sector público e privado" e a "receptividade tem sido bastante boa". E também há casos em que a associação é procurada para "fazer as análises aos sites e dizer o que pode ser melhorado".

Advogada sem acesso ao Habilus queixou-se mas não teve resposta

Mariana Rocha
Advogada

Em Outubro, Mariana Rocha enviou uma carta registada para a Direcção Geral dos Assuntos da Justiça, da qual nunca recebeu resposta. Em causa estava oHabilus, plataforma disponível no portal Tribunais.Net para consultar processos, enviar requerimentos, confirmar datas de julgamentos, etc., que esta advogada de 26 anos não conseguia utilizar por ser invisual. "Contudo,cerca de um mês depois, a acessibilidade melhorou", revela. "Antes não fazia praticamente nada e agora já consigo visualizar os processos, mas só os que tiveram algum desenvolvimento nos últimos 30 dias", acrescenta, num misto de satisfação e indignação.Para além desta ferramenta profissional, a jovem advogada de um escritório de Matosinhos aponta outros casos: no site dos Transportes Colectivos doPorto "as notícias estão em formato de imagem", na página do Metro do Porto"é impossível a consulta dos horários" e o "home banking" da CGD está limitado à consulta de saldo e últimos movimentos", exemplifica.

Obrigado a entregar IVA pela Net mas não tem acesso ao serviço

António Silva
Empresário em nome individual

De ano para ano cada vez são mais os portugueses que optam pelas Declarações Electrónicas em vez das repartições de Finanças. Mas, involuntariamente,António Silva não é um deles. Este empresário em nome individual, que comercializa material informático, tem de entregar a declaração periódica doIVA por via online (obrigatório desde Maio de 2005) mas, por ser invisual,"é impossível aceder à informação". "Os campos de preenchimento estão barrados, por isso tenho de pedir à minha esposa que o faça por mim", tal como acontecia com a declaração em papel, contou ao JN. "Seria mais lógico que, tendo sido facilitado o serviço, se aproveitasse para o tornar acessível", defende o criador das páginas www.lerparaver.com e www.aminharadio.com. "Obrigam-nos a entregar o IVA por via online mas não foram obrigados a torná-la acessível", critica ainda António, que também dá apoio técnico aos alunos da Universidade do Porto com deficiência.
contador de visitas blog