16 fevereiro 2008

EDUCAÇÃO ESPECIAL: "90% DAS DIFICULDADES ESTÃO À MARGEM"

fonte educare
Educação especial: "90% das dificuldades estão à margem"
Teresa Sousa| 2008-02-15

Pais, professores e investigadores temem que as mudanças previstas na ensino
especial deixem de fora todo um conjunto de crianças cujas dificuldades de
aprendizagem não foram tipificadas segundo a actual legislação.

O Parlamento discute hoje o novo enquadramento legislativo para a educação
especial, no meio de uma encruzilhada de opiniões contestatárias e medidas
no terreno. Ninguém se atreve a pôr em causa o ideal da escola inclusiva,
mas pais, professores e especialistas manifestam expressivas reservas ao
Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, enquanto o Ministério da Educação
se desdobra em acções para pôr em prática o seu modelo de integração.

A ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, assinou ontem um
protocolo de colaboração entre a tutela e sete federações associadas ao
ensino especial. A formalização do acordo é uma de outras acções que se
espera venham a ser tomadas para concretizar os objectivos do Governo para o
ensino especial. A saber: integrar, até 2013, no ensino regular 1300 alunos
que frequentam actualmente escolas especializadas. Além deste protocolo, a
ministra assinou um outro, relativo à formação de professores. De acordo com
o previsto no documento, durante este ano lectivo, 1500 docentes receberão
50 horas de formação na área do ensino especial.

O entusiasmo do Governo com estas mudanças - a ministra chegou mesmo a
afirmar sentir-se envergonhada, enquanto cidadã, com o estado do ensino
especial no
país - contrasta com as incertezas dos diversos parceiros sociais. A começar
por dois especialistas, ouvidos pelo EDUCARE.PT. Tanto David Rodrigues,
professor na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de
Lisboa, como Luís Miranda Correia, professor no Instituto de Estudos da
Criança da Universidade do Minho, opõem-se ao método utilizado pelo
Ministério para classificar e identificar crianças com necessidades
educativas especiais.

Na opinião de Miranda Correia, no método CIF (Classificação Internacional de
Funcionalidade)

, "a escala de avaliação é altamente subjectiva, não tem
qualquer rigor". De resto, como argumenta, "trata-se de uma classificação
para adultos e não para crianças". As mesmas críticas são esgrimidas por
David Rodrigues, que acrescenta: "A elegibilidade, tal como é apanágio da
CIF, deixa de fora muitos alunos com dificuldades".

A mancha mais ou menos desconhecida de crianças com necessidades educativas
que, não obstante, permanecem sem apoios específicos, é aliás uma
preocupação que se repete de voz para voz, de opinião para opinião.

Raquel Ferreira, da direcção do Agrupamento de Escolas de Vouzela, é um dos
ecos desta incerteza. "O que vai acontecer aos alunos que estavam ao abrigo
do 319 [anterior
decreto-lei]? Estas são dúvidas ainda por esclarecer", declarou ao
EDUCARE.PT. No mesmo sentido vai Fernando Magalhães, pai de uma criança com
necessidades educativas especiais e membro da Plataforma de Pais Pelo Ensino
Especial, formada na sequência da publicação do n.º 3/08. "Há um conjunto
enorme de alunos que vão ficar excluídos da tipificação da CIF", afirmou. Ou
seja, "vão ser identificadas como crianças normais, sem necessidade de
apoios".

De acordo com os dados do Ministério da Educação, há no ensino regular 49
mil alunos com necessidades educativas especiais, sendo que o objectivo é
acrescentar, a este número, 1300 alunos matriculados em escolas de ensino
especial. Também aqui as opiniões são diversas. "Há estudos de prevalência a
nível internacional que apontam para uma percentagem de 8% a 12% de crianças
com necessidades educativas especiais permanentes", diz o investigador da
Universidade do Minho. O que significa que, em Portugal, haverá "75 mil
alunos com dificuldades de aprendizagem severas".

O actual enquadramento legal prevê a criação, por despacho ministerial, de
escolas de referência para a educação bilingue de alunos surdos, cegos e com
baixa visão. O ponto 3 do artigo 4.º do decreto-lei refere ainda que, "para
apoiar a adequação do processo de ensino e de aprendizagem, podem as escolas
ou agrupamentos de escolas desenvolver respostas específicas diferenciadas
para alunos com perturbações do espectro do autismo e com multideficiência".
Assim, serão criadas unidades de ensino estruturado para as perturbações do
espectro autista e unidades de apoio especializado para a educação de alunos
com multideficiência e surdocegueira congénita.

A especificação das dificuldades de aprendizagem a apoiar fica-se por aqui,
o que leva Luís Miranda Correia a declarar que "mais de 90% das dificuldades
estão à margem desta legislação". Isto é, não há referências aos alunos com
dificuldades intelectuais (deficiência mental), com dificuldades de
aprendizagem específicas (como acontece com a dislexia), com perturbações
emocionais e do comportamento grave, ou com problemas de comunicação.
Fernando Magalhães como que decalca esta mesma ideia. "São excluídas das
escolas de referência ou das unidades de ensino e de apoio nelas previstas
as respostas específicas para as perturbações do desenvolvimento, a
deficiência mental e as perturbações da personalidade e do comportamento",
enumera.

A falta de resposta precoce a estes casos não tipificados na lei leva, no
entender de Miranda Correia, a aumentar o número das crianças "frustradas,
tensas e ansiosas".

O investigador antecipa desfechos: "São crianças com o futuro hipotecado e
caracterizadas por um percurso de abandono escolar." No que é corroborado
por David Rodrigues. "Tememos que muitos alunos com dificuldades, ao
ser-lhes barrado o acesso a um apoio especializado, engrossem as nossas
tristes estatísticas de insucesso e abandono escolar", adianta o presidente
do Fórum de Estudos de Educação Inclusiva.

Com todas as energias direccionadas para a recente legislação, o Ministério
da Educação vai atingindo as metas definidas até ao objectivo final, o de
concretizar a escola inclusiva até 2013. A formação de professores é uma das
metas da lista de tarefas. Durante os meses de Março a Maio a aposta é na
formação. O que suscita as críticas de David Rodrigues. "Precisamos de
melhorar a política de formação em serviço e não de fazer 'lambuzadelas' de
30 horas de formação", comenta.

Escolas preparam alterações, pais receiam mudanças
Entretanto, e antes mesmo da publicação do decreto-lei, desde o início do
ano lectivo que as escolas se têm vindo a preparar para as mudanças
organizacionais. Para lá das escolas de referência, a lei estipula uma nova
forma de apoios, que assenta na criação de unidades de apoio especializado,
que "concentram alunos de um ou mais concelhos, em função da sua localização
e rede de transportes existentes". O agrupamento de escolas de Vouzela é um
dos que, no terreno, têm desenvolvido acções concretas para se adaptar ao
novo esquema de funcionamento. O agrupamento tem ao seu serviço um professor
do ensino especial e uma equipa de apoios educativos e prepara-se para
elaborar uma candidatura a escola de referência. Como avançou Raquel
Ferreira ao EDUCARE.PT, o agrupamento aproveitou, também, as directivas da
actual legislação para celebrar protocolos de colaboração e parcerias com
instituições privadas e públicas da região para prestação de serviços na
área da educação especial.

Os exemplos de boas práticas que se vão fazendo ouvir não chegam, no
entanto, para acalmar a plataforma de pais. A "falta de condições no
terreno" é um dos motivos cimeiros para a contestação à actual lei. Esta e a
"regressão" que a transferência para o ensino regular pode provocar nas
crianças são as causas que levaram os pais a pedir audiências ao Ministério
e a trazer o caso para a discussão pública. Fernando Magalhães não condena
os ideias de inclusão invocados na lei. "Todos os dias, quando vamos ao
supermercado com os nossos filhos ou quando os metemos nos autocarros
sozinhos estamos a lutar pela inclusão", argumenta. Mas os pais temem as
consequências que a alteração possa provocar no equilíbrio emocional e no
desenvolvimento dos filhos.

1 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Visitei o seu blog e fiquei muito estarrecida com a sua luta em favor daqueles que ainda não são reconhecidos como cidadãos. Quero te parabenizar pela sua iniciativa em inclui-los essas pessoas na sociedade injusta. Mais tenho certeza que o seutrabalho alcançarão aquele que precisam de urgência e continue fazemdo o bem logo logo Deus te recompensará..
um abraço pra vc e fique firme nesta causa!!
Sou Professora em Palmas/TO-Brasil, sou ouvinte e amo os surdos e gosto de ajuda-los..
ass. Profª. Elisvene Costa de Barros

21 fevereiro, 2008 13:56  

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