11 julho 2008

BENEFÍCIOS DE DEFICIENTES DIVIDEM TRÊS MINISTÉRIOS

Fisco. A recusa pelas Finanças dos atestados de incapacidade anteriores a 1996 lançou a confusão dentro do Governo. O Ministério do Trabalho contesta o procedimento e lembra ainda à Saúde que as juntas médicas devem usar os mesmos critérios do passado. Deficientes sentem-se discriminados

Três ministérios estão a elaborar novo decreto

Palmira Gaspar sofre de uma doença auto-imune, crónica, incurável e progressivamente incapacitante que atinge todos os órgãos do corpo (lúpus). Desde 1994, dispõe de um atestado, emitido por uma junta médica, que lhe atribui um grau de incapacidade permanente de 83%. Quando, em Março deste ano, recebeu uma notificação da Direcção de Finanças de Leiria exigindo-lhe a comprovação do seu grau de deficiência, Palmira enviou o seu atestado médico. Acontece que o Fisco rejeitou este documento, exigindo que a contribuinte repusesse os benefícios fiscais que auferira desde 2004.

Palmira é apenas um entre muitos deficientes que estão a ser "castigados" pelo Fisco pelo facto de não disporem do atestado de incapacidade multiusos, criado em 1996. Apesar de estarem em causa incapacidades permanentes (por exemplo, um paraplégico), a administração fiscal está a exigir a substituição dos antigos atestados pelo modelo criado há 12 anos. Esta exigência coincide com a publicação, a 21 de Janeiro deste ano, da Nova Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais que, por sinal, segundo os especialistas, é mais restritiva do que a anterior (de 1993).

Assim, além de verem recusado um documento oficial comprovando uma deficiência permanente, os deficientes correm o risco de saírem da junta médica com um grau de incapacidade inferior que os impeça de aceder aos benefícios fiscais de que usufruíam desde a manifestação da sua deficiência.

Estes são os dois motivos criticados pelo Instituto Nacional para a Reabilitação (INR), do Ministério do Trabalho, que, depois de ter recebido diversas queixas de contribuintes, já fez chegar o seu entendimento ao Ministério das Finanças e à Saúde.

Os argumentos do Fisco

Contactado pelo DN, o Ministério das Finanças começa por lembrar que "compete à Direcção-Geral das Finanças (DGCI) controlar a situação tributária dos sujeitos passivos", o que, neste caso concreto, passa por exigir o "atestado emitido pela entidade competente" que comprove o grau de incapacidade superior a 60%. Até aqui, todos concordam. Mas que atestado é esse? "Como para efeitos da definição da situação tributária dos contribuintes releva a sua situação pessoal em 31 de Dezembro do ano a que respeita o imposto, os critérios técnico-legais de avaliação da incapacidade são os que vigorarem em 31 de Dezembro do ano a que respeita o imposto". Esta posição do Fisco é apoiada por um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 25 de Setembro de 2002.

Na mira do fisco estão todos os contribuintes deficientes que "não tenham apresentado qualquer certidão em data posterior a 1996". Este ano, já foram notificados 1400 contribuintes em Leiria e 3568 em Santarém. "Só em Santarém, esta operação permitiu corrigir matéria colectável no valor de 1,4 milhões de euros, correspondente a benefícios indevidamente auferidos".

Olhe que não...

O INR não pode invocar o Supremo mas, aparentemente, os diplomas legais estão do seu lado. O instituto lembra, antes de mais, que o Código do IRS "não refere qual o documento que se considera como comprovativo da situação de deficiência para estes fins". Por essa razão e porque se baseiam nas tabelas de incapacidade em vigor no momento da manifestação da deficiência permanente, "os atestados passados ao abrigo do diploma anterior a 1996 serão válidos uma vez que provam que, à data da apresentação do modelo de IRS existia de facto uma situação comprovada de incapacidade permanente igual ou superior a 60%".

O INR rejeita ainda a aplicação retroactiva das tabelas, socorrendo-se da própria legislação que as cria que refere explicitamente que estas só se aplicam aos acidentes de trabalho e doenças profissionais que "ocorram após a sua entrada em vigor". Daí que o instituto reclame que o atestado multiusos só possa ser exigido pelo fisco aos contribuintes cujas deficiências se tenham manifestado após 1996.

O diploma que falta

Quer o Fisco, quer o INR salientam que estão a trabalhar juntos para uma solução do problema. E a solução pode estar num decreto-lei que está a ser elaborado em conjunto com o Ministério da Saúde, que vem definir a forma como é avaliada a incapacidade das pessoas com deficiência, preenchendo uma lacuna do quadro legal actual.

Na prática, este decreto deverá manter o princípio da utilização da tabela relativa aos acidentes de trabalho e doenças profissionais para aferição do grau de incapacidade das pessoas com deficiência. E nesse decreto deverá ficar claro que, tal como sucede com as vítimas de acidentes ou de doenças profissionais, as novas tabelas não se aplicam de forma retroactiva. Caso contrário, haverá discriminação: uma pessoa que nasceu sem um braço será avaliada com critérios diferentes e provavelmente mais restritivos do que outra que viu o membro amputado por acidente de trabalho.
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