11 junho 2007

ALUNOS SURDOS COM INSUCESSO POR APRENDEREM NO SILÊNCIO

ALUNOS SURDOS COM INSUCESSO POR APRENDEREM NO SILÊNCIO

JORNAL "PÚBLICO"

11/6/2007

Fonte público
Alunos surdos com insucesso por aprenderem no silêncio

Bárbara Wong

A Língua Gestual Portuguesa é a língua materna dos surdos, mas está pouco disseminada. Quatro em cada dez surdos não têm instrução

a Para uma criança surda não é fácil aprender numa turma de ensino regular, onde todos falam uma língua que não ouve e, por isso, não percebe. Os surdos

devem, desde que nascem, estar em contacto com a Língua Gestual Portuguesa (LGP), de maneira a poder desenvolver-se de um modo saudável, defende Paula

Estanqueiro, coordenadora da unidade de LGP da Associação Portuguesa de Surdos (APS). Caso contrário, o insucesso escolar é inevitável.

Segundo dados do Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração de Pessoas com Deficiência, quatro em cada dez surdos não têm qualquer nível de

instrução. O ensino secundário foi concluído por apenas 2,3 por cento. E só 1,54 chega ao ensino superior. Segundo a APS, que não tem dados a nível nacional,

uma em cada mil pessoas são surdas.
Além da audição, estas crianças têm outros problemas que os levam ao insucesso escolar? Não, responde Paula Estanqueiro. O que se passa é que, até há pouco

mais de dez anos, as crianças estavam isoladas, muitas não iam à escola. As que iam estavam no silêncio, porque os estabelecimentos de ensino regular que

as recebiam não estavam preparados para as ensinar. "Os surdos têm as mesmas capacidades que as outras crianças; é o sistema escolar que os torna deficientes",

aponta.
Apesar de haver algumas escolas para surdos, como o Instituto Jacob Rodrigues Pereira, da Casa Pia, em Lisboa, só em 1998 foi criada legislação com o objectivo

de integrar estas crianças em unidades próprias nas escolas públicas, de maneira a que aprendam a sua primeira língua (LGP) e, depois, as restantes matérias

em que se inclui a Língua Portuguesa, na vertente escrita e lida e que é apreendida como uma língua estrangeira.
Existem cerca de 30 unidades, espalhadas por todo o país. Na prática, os alunos surdos têm aulas com os ouvintes, com o apoio de um intérprete. Mas o ideal

é que estivessem "a tempo inteiro, banhados de LGP", defende Paula Estanqueiro.
"Antigamente, os professores não queriam que as crianças tivessem contacto com adultos surdos", lamenta. "Mas, tal como um bebé tem acesso à língua portuguesa,

as crianças surdas têm de ter à LGP, que é a sua língua-mãe", explica a coordenadora da APS.
LGP na Constituição
A LGP está consagrada, na Constituição, desde 1997, como uma das línguas oficiais do país. No entanto, a sua utilização nas salas de aulas é ainda insuficiente

para garantir aos surdos as mesmas oportunidades que são dadas aos ouvintes, referem Marta Morgado e Rui Pinheiro, dois surdos que conseguiram concluir

o ensino superior (ver textos ao lado).
Como aprendem a Língua Gestual Portuguesa aos poucos e não a praticam, quando chegam ao 1.º ciclo, com seis anos, muitos meninos não têm o desenvolvimento

linguístico adequado à idade, "ainda são uns bebés", logo, têm dificuldade em compreender a matéria, refere Paula Estanqueiro. Mas as coisas estão a mudar,

acrescenta. Há educadores de infância e docentes que estão a aprender a LGP. "Se há professores ouvintes que vão receber alunos surdos, devem ter uma formação

inicial diferente, para que possa trabalhar com essas crianças", considera.
Para as crianças surdas, é importante que socializem com outros iguais a eles, não só para aquisição da língua, mas também para se desenvolverem a nível

emocional e social. "Tudo passa através da língua", acredita Paula Estanqueiro.
A Associação Portuguesa de Surdos faz formações de LGP para os pais e familiares. "As crianças ouvintes também podem aprender gestos para que convivam

com os surdos", sugere.
Por tudo isso, conclui Paula Estanqueiro, o sucesso educativo dos alunos surdos depende muito do meio envolvente. "Eles não são piores alunos; só não têm

acesso à mesma matéria e têm direito a ter as mesmas oportunidades", conclui. com Joana Capitão

1998
Ano em que foi criada legislação com o objectivo de integrar as crianças surdas em unidades próprias nas escolas públicas

1998 Ano em que foi criada legislação com o objectivo de integrar as crianças surdas em unidades próprias nas escolas públicas

Espalhados por 212 estabelecimentos

Ministério da Educação quer surdos nas mesmas escolas

Actualmente existem cerca de 30 unidades de apoio a crianças surdas, espalhadas pelo mesmo número de escolas de ensino regular. São espaços, integrados

no estabelecimento de ensino, de apoio aos alunos surdos. Apesar disso, ainda há muitos estudantes que estão espalhados por outras escolas. Segundo o secretário

de Estado da Educação, Valter Lemos, existem 878 surdos no sistema, espalhados por 212 escolas. Alguns estarão sozinhos num estabelecimento de ensino,

diz o governante, numa reunião com os jornalistas, em meados do mês passado. O Ministério da Educação prepara-se para, no próximo ano lectivo, ter a rede

de escolas reorganizada, de modo a ter estabelecimentos de referência onde esses estudantes podem estar concentrados; espaços onde existam recursos físicos

e humanos para trabalhar com alunos surdos. Serão ainda reorganizadas as escolas mais preparadas para receber estudantes cegos, com espectro autista e

multideficientes.
Paula Estanqueiro, da Associação Portuguesa de Surdos, frisa que a tutela tem de ter escolas onde os estudantes com problemas de audição possam estar concentrados

de modo a que comuniquem com o maior número de pessoas possível, através da Língua Gestual Portuguesa (LGP). "Se tiverem apenas dois ou três alunos surdos

numa turma de ouvintes, há dinâmicas que turma que eles perdem, porque não ouvem. Por exemplo: uma pergunta que o professor faz e o colega responde, ele

não ouve", explica a coordenadora da unidade de LGP da associação.
Os surdos podem estar numa escola de ouvintes, mas a sua aprendizagem deve ser feita entre surdos, defende Paula Estanqueiro. "O professor dá a matéria

mais facilmente, há uma dinâmica mais rápida, tal como numa turma de ouvintes, porque todos comunicam na mesma língua", explica. A responsável da APS lembra

ainda que existem professores surdos no sistema que por vezes são colocados em escolas onde só existem alunos ouvintes. Valter Lemos responde que o concurso

vai ser revisto, com o objectivo de "garantir a afectação dos professores a agrupamentos onde estejam determinados alunos". B.W.

Se uma criança era capaz de oralizar, então era inteligente

a Marta tem 29 anos. Há 27, os pais descobriram que era surda. "Tinha atraso na linguagem e não comunicava, mas nessa altura a língua gestual era considerada

negativa e os meus pais investiram muito na minha oralidade e na escrita."
O percurso escolar até ao quinto ano dividiu-se entre o ensino regular e o ensino especial para surdos. Da escola de ensino regular, guarda a recordação

de uma espécie de "clínica de reabilitação". "Em vez de aulas, a professora ia para os corredores conversar com os colegas, e deixava os alunos à vontade.

Outras vezes, havia jogos de audição, todos nós tínhamos de nos virar de costas para a professora, ela chamava-nos pelo nome e quem a conseguisse ouvir

ganhava um "prémio"."
"A imagem que davam às crianças surdas era que tínhamos muitas limitações, a oralidade era considerada o ponto inteligente. Se uma criança era capaz de

oralizar, então era inteligente. O ensino de surdos era mesmo muito fraco, os professores não sabiam como comunicar connosco, resumiam a matéria e facilitavam

a avaliação. Mal precisava de estudar."
Matérias adaptadas e insuficientes. Foi assim a vida escolar de Marta até à passagem para o secundário. Essa nova etapa trouxe consigo grandes dificuldades.

"Habituada a um ensino fraco e sem precisar de estudar", teve de acompanhar um ritmo bem diferente. "Achava-me muito inferior aos ouvintes e que nunca

ia conseguir ser "igual" a eles. Sempre me deram a imagem de que nunca iria conseguir continuar a estudar."
Mas Marta conseguiu. A abertura do curso de especialização em Língua Gestual e Surdez da Faculdade de Letras foi a porta de entrada para um percurso escolar

que se revelaria mais longo do que alguma vez imaginara. Em 1997, ano do reconhecimento da Língua Gestual na Constituição Portuguesa, foi convidada para

dar aulas no Instituto Jacob Rodrigues, a escola de surdos mais antiga de Portugal.
Três anos depois, decidiu voltar a estudar, desta vez na Escola Superior de Educadores de Infância Maria Ulrich. Fez o exame e passou à primeira. Porém,

duvidaram se lhe podiam atribuir o diploma sem saber se tinha capacidade para ensinar crianças ouvintes. "Foi de facto injusto, porque eu só pretendia

ensinar surdos, e porque a esmagadora maioria dos educadores ouvintes com diploma não tem capacidade para ensinar as crianças surdas. Mas passei por uma

prova de fogo, tive de fazer estágio com crianças ouvintes durante um ano. Sem vontade, mas fi-lo com nota final de 17 valores." Joana Capitão

1 Comentários:

Blogger Paideia disse...

Desde que não haja comorbilidades, um aluno surdo pode ser integrado numa classe regular e aprender tão bem como qualquer outro.
Se o aluno faz leitura labial, o professor tem de treinar certos procedimentos. Os apoios específicos decorrerão de uma avaliação educacional e implicam sopesar criteriosamente as soluções menos restritivas possíveis, mas que garantam ao aluno aprender com dignidade. Penso que o princípios implícitos no filme Filhos de um Deus menor se mantêm válidos: a inclusão no mundo sonoro deve ocorrer sempre que possível.
Em trinta anos de carreira tive uma única aluna surda e correu tudo lindamente, porque me limitei a desenvolver capacidades de leitura e de escrita e a aluna movimentou-se muito bem nesse quadro, que era o que ela desejava. Fazia leitura labial.

18 junho, 2007 17:10  

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